Com certa frequência, diversas questões da prova objetiva são discutidas judicialmente pelos mais variados motivos. Mas quais são os requisitos para a conseguir a anulação judicial de uma questão?
Inicialmente, é importante entender que o controle das questões de uma prova (bem como das demais etapas de um concurso) é dividido em dois “momentos” distintos: a) o controle pela própria Banca durante as etapas e prazos previstos no edital; e b) o controle judicial.
I – ESPÉCIES DE CONTROLE
O controle pela própria Banca é mais amplo e discricionário (ou seja, com mais liberdade) e atinge todos os candidatos do concurso. Assim, anulando ou alterando um gabarito, todos os candidatos serão atingidos, inclusive aqueles que não interpuseram recurso.
Já no controle judicial há uma certa restrição tanto em relação aos motivos do controle quanto em relação ao alcance dos efeitos da decisão.
Quanto aos motivos do controle judicial, os Tribunais Superiores, especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), têm entendimento consolidado no sentido de que o Poder Judiciário não pode intervir no mérito das questões de concurso público, salvo em situações excepcionais. Assim, mera insatisfação não é motivo para anulação.
A anulação de uma questão de prova objetiva só pode ser pleiteada judicialmente se forem preenchidos certos requisitos, que podem ser assim resumidos:
- Erro grosseiro ou flagrante ilegalidade
- Quando a questão contém um erro material evidente, como uma alternativa incorretamente indicada como certa pelo gabarito oficial.
- Exemplo: Se a banca afirma que o prazo para tomar posse em um concurso é de 10 dias, mas a lei expressamente diz que são 30 dias após a nomeação; ou ainda se a questão trata da remissão, mas se refere à remição (institutos com conceitos diferentes).
- Violação ao princípio da legalidade ou da vinculação ao edital
- Quando a questão contraria a legislação vigente ou o próprio edital do certame.
- Exemplo: Se o edital estabelece que determinada norma será cobrada conforme a lei X, mas a questão é formulada com base em uma legislação revogada ou não prevista no edital.
- Existência de mais de uma resposta correta ou ausência de alternativa correta
- Quando a questão admite mais de uma resposta como correta, sem que o enunciado indique essa possibilidade.
- Exemplo: Se há duas alternativas igualmente válidas e apenas uma delas é considerada correta pela banca; ou ainda se não há nenhuma alternativa a ser marcada.
- Questão mal formulada, ambígua ou contraditória
- Quando o enunciado ou as alternativas geram dúvidas razoáveis que impossibilitam a escolha objetiva da resposta correta.
- Exemplo: Se a questão contém termos vagos ou confusos que podem levar a diferentes interpretações; ou ainda quando trata de uma exceção mas no comando da questão dispõe sobre a regra geral.
- Não observância de critérios científicos ou técnicos pacificados
- Quando a questão contraria consenso técnico ou científico estabelecido por doutrina ou jurisprudência consolidada.
- Exemplo: Se a banca adota uma interpretação isolada e contrária à jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores.
- Quebra da isonomia entre os candidatos
- Quando há uma falha que beneficia um grupo de candidatos em detrimento de outros.
- Exemplo: Se há vazamento prévio da questão ou erros na aplicação da prova que permitam que um candidato tenha mais tempo para responder; ou ainda quando para o mesmo cargo a prova apresenta questões diferentes entre os candidatos.
Como se vê, existem várias hipóteses de controlar judicialmente questões da prova de um concurso. Esses são os paradigmas da jurisprudência sobre esses casos. Veja:
- STF (RE 632.853/CE – Tema 485 da Repercussão Geral): O controle judicial de questões de prova só é possível em casos de ilegalidade, inobservância de regras do edital ou erro material grosseiro.
- STJ (RMS 36.268/PE): O Poder Judiciário não pode substituir a banca examinadora na formulação das questões ou na escolha dos critérios de correção, exceto em casos de flagrante erro.
II – EFEITOS DA DECISÃO DE ANULAÇÃO
Outro aspecto importante a ser levado em consideração diz respeito aos efeitos da decisão judicial que anula uma questão de prova em concurso público. Como visto no início, caso a própria Banca anule ou altere o gabarito de uma questão, todos os candidatos serão atingidos (seja beneficiando, seja prejudicando).
No entanto, de forma geral, os principais efeitos e beneficiários da decisão podem ser analisados da seguinte maneira:
a) O candidato autor da ação (efeito subjetivo da decisão)
- Regra geral: Normalmente, as decisões judiciais proferidas em ações individuais beneficiam apenas o candidato que ingressou com a ação.
- Se a decisão for favorável ao candidato, pode haver:
- Concessão da pontuação correspondente à questão anulada.
- Nova reclassificação do candidato no certame.
- Possibilidade de nomeação caso o novo posicionamento o coloque dentro das vagas previstas no edital.
b) Todos os candidatos do concurso (efeito erga omnes)
- Situação excepcional: Caso a anulação seja resultado de uma ação coletiva (ajuizada por um Ministério Público, Defensoria Pública, sindicato ou associação representativa), ou se a decisão for proferida em controle concentrado de constitucionalidade ou mandado de segurança coletivo, a anulação pode beneficiar todos os candidatos que fizeram a prova.
- No estado do Rio de Janeiro, a Lei nº 10.516/2024 estabeleceu que “As bancas organizadoras de concursos públicos, no âmbito do estado do Rio de Janeiro, ficam obrigadas a atribuírem para todos os candidatos a pontuação referente a questões anuladas por decisões judiciais, com trânsito em julgado, em ações individuais ou coletivas”. Assim, havendo o reconhecimento judicial com o trânsito em julgado, deve-se estender a todos os candidatos os efeitos da decisão.
Com a anulação da questão na via judicial gerando efeitos apenas para o autor da ação (que é a regra geral), isso pode ser considerada uma grande vantagem no concurso, pois, com a pontuação computada apenas para ele, várias posições na lista de classificação podem ser o suficiente para garantir uma nomeação (ou pelo menos a participação nas demais etapas do concurso).
III – QUAL O MOMENTO PARA SE BUSCAR A ANULAÇÃO JUDICIAL?
Quanto antes o candidato puder buscar a anulação judicial, mais rápido conseguirá uma decisão definitiva (e, como sabemos, as ações judiciais não costumam ser tão rápidas). Mesmo após a homologação do resultado final do concurso, é possível o controle judicial. Assim, deve o candidato se preocupar com o prazo prescricional (em regra, na esfera federal é de 1 ano e na estadual e municipal é de 5 anos; já no caso de Mandado de Segurança o prazo é de 120 dias).
Mas é importante registrar que o STF e o STJ entendem a homologação do certame fortalece a presunção de legalidade do concurso e limita, de certa forma, a possibilidade de questionamento.
Por isso, quanto antes entrar com a ação é melhor!
Após o ajuizamento da ação, mesmo que o concurso continue e as etapas sejam todas concluídas, inclusive com a homologação e até mesmo com a validade do certame se encerrando, não haverá perda do direito de se buscar a anulação, pois com a procedência da ação, o candidato terá o direito assegurado a ser reclassificado de acordo com a nova pontuação decorrente da anulação da questão.
No entanto, havendo uma “nomeação tardia” decorrente da decisão judicial, o candidato não terá direito o de receber os valores relativos à remuneração que eventualmente tenha deixado de receber. Por isso que é importante entrar o quanto antes com a ação!
IV – Conclusão
Para buscar a anulação judicial de uma questão de concurso público, é essencial demonstrar que há uma ilegalidade manifesta, erro grosseiro ou afronta ao princípio da isonomia. Simples discordâncias interpretativas ou alegações genéricas de injustiça não são suficientes para justificar a intervenção do Judiciário.
Em relação aos efeitos da decisão, a anulação de uma questão por decisão judicial, em regra, beneficia apenas o autor da ação (e não todos os candidatos, salvo situações excepcionais).
Quanto ao melhor momento para ajuizar a ação, quanto antes buscar a via judicial é melhor, pois os processos não costumam ser tão rápidos. No entanto, mesmo após a homologação do concurso, é possível ajuizar a ação, desde que não tenha ocorrido a prescrição.
E aí, no seu concurso tem alguma questão que acredita que caiba a anulação?
Entre em contato e veja a viabilidade de ajuizamento de uma ação.
(61)99892-0248
Vandré Amorim
Professor e Advogado especialista em concurso público